sexta-feira, 18 de abril de 2014

Compreendendo textos...

Olá amantes da língua portuguesa! Hoje meu post vai falar um pouquinho sobre textos e sua compreensão, dessa forma ainda abordaremos um pouquinho sobre a fase da Teoria do Texto, meu post da semana passada. Minha professora passou em sala esses textos que eu vou colocar aqui - todos muito interessantes - e farei uma análise em cima deles pela visão da 3ª fase da linguística.


A Vaguidão Específica




Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
- Junto com as outras?
- Não ponha com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
- Sim senhora. Olha, o homem está aí.
- Aquele de quando choveu?
- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
- Que é que você disse a ele?
- Eu disse para ele continuar.
- Ele já começou?
- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
- É bom?
- Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
- Você trouxe tudo para cima?
- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
- Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
- Está bem, vou ver como.


(Millôr Fernandes) 

Note que o problema de coesão caracterizado pela falta de referências no texto não chega a constituir, de forma alguma, falta de coerência no texto, que impossibilite a comunicação entre as interlocutoras dele, pois a proposta do autor é a de que a situacionalidade preenche as lacunas referencias entre as interlocutoras. Talvez para outros leitores, o texto não faça sentido nenhum, mas definitivamente as informações veiculadas por ele são suficientes para as interlocutoras dessa interação que possuem o conhecimento partilhado necessário à compreensão da sua suposta falta de referência entre si.

Ou seja, um texto pode fazer sentido para uns e para outros não! Considere ainda que, no texto em questão, autor não prioriza as informações de texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino.

Para a fase da Teoria do Texto, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de comunicação - planejamento, verbalização e construção.

Saiba mais...
Considerar o texto como um processo é considerar  seu funcionamento com atividades de planejamento, verbalização e construção a partir de aspectos:

  • Linguísticos (sintáticos, lexicais, etc);
  • Semânticos (conteúdo, coerência, significado, etc)
  • Pragmáticos (seu uso, situação comunicativa, contexto, etc)
E sem perder de vista a importante relação entre os sujeitos da produção textual: falante/ouvinte, autor/leitor.
O mesmo texto, inclusive, é passível de diferentes leituras num mesmo momento histórico ou se lido em épocas e contextos diferentes. Como exemplo disso podemos citar bem rapidamente as diferentes interpretações dos textos bíblicos que as pessoas fazem de um modo geral  ou para si próprias. A própria forma linguística da Lei abre "brechas" para distintas interpretações...

Ou ainda, um texto pode ser considerado moralmente impróprio, ou vulgar, ou acintoso aos valores sociais, familiares e religiosos etc e em outro momento/contexto pode ser considerado revolucionário, à frente de seu tempo, verdadeiro etc: os poemas de Gregório Matos (o poeta barroco conhecido como "Boca do Inferno") podem ser um bom exemplo disso:

 Epílogos (Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república)

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

(Gregório de Matos)

Por outro lado, um texto que pode ter sido considerado poético , verdadeiro e bonito em dado momento histórico, pode hoje ser motivo de piada e referência de preconceito e opressão: por exemplo, a música "Ai, que saudades da Amélia", de Ataulfo Alves e Mário Lago, de 1941, sobretudo em sua segunda estrofe que hoje faz-nos considerar "Amélia" um adjetivo pejorativo quanto à caracterização da mulher moderna:

É isso aí pessoal! Espero que tenham gostado da minha explicação sobre alguns textos que eu vi em aula. E vocês o que acharam? Não deixem de comentar.

Abraços apertados,
Ge Toledo

Um comentário:

  1. Também acho que alguns textos ficam desatualizados. Mas, também acho que muitos deles já não eram "grande coisa" na época da sua criação. Por outro lado tem criações que serão eternas. Fico imaginando o que acharão as pessoas sobre uma música da Anita daqui uns 40 anos.

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